Finalmente... a peluda.
Espoliados de dois anos e meio da nossa juventude, em Angola... no dia 05 de Junho de 1974, num avião fretado à TAP, regressámos a Portugal.
Viemos no fim da guerra colonial ou de África e no início da guerra civil angolana, que acabou por arrasar tudo e todos naquele país.
Os interessados na alteração da geopolítica da região, forneciam: logistica, estruturas militares, aviões, carros canhão, munições, meios humanos e os generais estrategas... os mesmos, que hoje encenam uma guerra na alimentação e no retrocesso mundial, Americanos e Russos.
O comando da Companhia 3485 e outros camaradas, ainda ficaram mais uns tempos para tratar da chamada liquidatária e do fecho de contas nos falidos Serviços de Contabilidade e Administração de Luanda.
Durante a viagem, meditei sobre a estranha guerra de guerrilha, os anos perdidos, os locais por onde andei e a liberdade, que a selva proporcionava.
Naquele avião, terminava uma guerra e, sem o sabermos, começava outra… outros ritmos, outros hábitos, encontrarem trabalho, cumprir horários e a luta por outra independência.
Hoje persistem as memórias e os momentos de felicidade a contrastarem com as passagens mais negras, apesar da desinteressada colaboração… momentos, que enriqueceram as nossas vidas entre ética e força.
Ao sobrevoar Portugal, cantou-se, até Figo Maduro / Lisboa, a canção "Cheira bem, cheira a Lisboa...".
Quando saí do quartel Ralis para a peluda... Finalmente! Libertei-me! Terminou a odisseia!
Já à civil, tudo parecia um sonho… Lisboa, o cheiro a mar, o brilho do sol, o Verão, os jornais, os cinemas…
Passados estes anos, tenho a consciência, que, quando regressei, já não era o mesmo. A vida deu-me luta, obrigou-me a desafios e aprendi a errar e a decidir.
Do Império português... restam 150 euros anuais, antes de impostos!
Merecem uma referência, os verdadeiros e os leais camaradas de armas e a desinteressada amizade, que, ainda hoje, vai resistindo ao tempo e à distância.
Naquela Angola “profunda”, não esqueço aquele povo, maioritariamente arredado dos conflitos, que até nos receberam bem.
Há poucos meses, ao telefone, um leitor do nosso sítio na Internet e amigo dos tempos do quartel em Chaves, dizia: Ainda recordo, com admiração, a minha lavadeira de Moçambique. Acompanhou-me todo o tempo, nos lugares onde estive… foi preciosa a cuidar e até a defender-me, chamava-lhe o meu anjo negro, tinha uma alma enorme.
É verdade, África tem uma magia inexplicável… os cheiros, os batuques, os cultos, o quimbo, o ruido do gerador à noite, o som do clarim do Virgílio, as hélices do avião do abastecimento e das notícias da família… que se entranham e me acompanham num sentimento único.
A todos, a Nzambi e aos Espíritos da Mata, devo muito!
Carlos Alberto Santos