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Notícias e Estórias

O momento justifica-o e o objeto da família, Ex-Militares da Companhia de Caçadores 3485, impõe-no. Vamos, todos, contribuir com notícias e estórias do presente e do passado.

Notícias e Estórias

O momento justifica-o e o objeto da família, Ex-Militares da Companhia de Caçadores 3485, impõe-no. Vamos, todos, contribuir com notícias e estórias do presente e do passado.

Finalmente... a peluda.

Alto Chicapa, 07.06.22

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Espoliados de dois anos e meio da nossa juventude, em Angola... no dia 05 de Junho de 1974, num avião fretado à TAP, regressámos a Portugal.

Viemos no fim da guerra colonial ou de África e no início da guerra civil angolana, que acabou por arrasar tudo e todos naquele país.

Os interessados na alteração da geopolítica da região, forneciam: logistica, estruturas militares, aviões, carros canhão, munições, meios humanos e os generais estrategas... os mesmos, que hoje encenam uma guerra na alimentação e no retrocesso mundial, Americanos e Russos.

O comando da Companhia 3485 e outros camaradas, ainda ficaram mais uns tempos para tratar da chamada liquidatária e do fecho de contas nos falidos Serviços de Contabilidade e Administração de Luanda.

Durante a viagem, meditei sobre a estranha guerra de guerrilha, os anos perdidos, os locais por onde andei e a liberdade, que a selva proporcionava.

Naquele avião, terminava uma guerra e, sem o sabermos, começava outra… outros ritmos, outros hábitos, encontrarem trabalho, cumprir horários e a luta por outra independência.

Hoje persistem as memórias e os momentos de felicidade a contrastarem com as passagens mais negras, apesar da desinteressada colaboração… momentos, que enriqueceram as nossas vidas entre ética e força.

Ao sobrevoar Portugal, cantou-se, até Figo Maduro / Lisboa, a canção "Cheira bem, cheira a Lisboa...".

Quando saí do quartel Ralis para a peluda... Finalmente! Libertei-me! Terminou a odisseia!

Já à civil, tudo parecia um sonho… Lisboa, o cheiro a mar, o brilho do sol, o Verão, os jornais, os cinemas…

Passados estes anos, tenho a consciência, que, quando regressei, já não era o mesmo. A vida deu-me luta, obrigou-me a desafios e aprendi a errar e a decidir.

Do Império português... restam 150 euros anuais, antes de impostos!

Merecem uma referência, os verdadeiros e os leais camaradas de armas e a desinteressada amizade, que, ainda hoje, vai resistindo ao tempo e à distância.

Naquela Angola “profunda”, não esqueço aquele povo, maioritariamente arredado dos conflitos, que até nos receberam bem.

Há poucos meses, ao telefone, um leitor do nosso sítio na Internet e amigo dos tempos do quartel em Chaves, dizia: Ainda recordo, com admiração, a minha lavadeira de Moçambique. Acompanhou-me todo o tempo, nos lugares onde estive… foi preciosa a cuidar e até a defender-me, chamava-lhe o meu anjo negro, tinha uma alma enorme.

É verdade, África tem uma magia inexplicável… os cheiros, os batuques, os cultos, o quimbo, o ruido do gerador à noite, o som do clarim do Virgílio, as hélices do avião do abastecimento e das notícias da família… que se entranham e me acompanham num sentimento único.

A todos, a Nzambi e aos Espíritos da Mata, devo muito!

Carlos Alberto Santos

www.cc3485.pt

Há espaços vivos

Alto Chicapa, 06.05.22

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Há espaços que resistem ao tempo e ao desaparecimento de gerações... onde, alguns de nós, Ex-Militares da 3485, gostam de voltar frequentemente, outros nem por isso.
 
São múltiplos lugares vivos num único sítio, onde o tempo se eterniza, onde a memória, o refúgio, a paixão e a aventura marcam presença, onde o conhecimento habita e a curiosidade é saciada também a milhões de desconhecidos à volta do mundo... muitos!
 
Falo-vos do nosso sítio na Internet (Site). 
 
Nasceu em Maio de 1990, sem projeto... apenas a partir de ideias de reunir os "tropas"... e à boleia de algumas borlas da plataforma Sapo.
 
Hoje, 32 anos depois, o site está adulto, independente, acompanha a tecnologia, tem uma infraestrutura própria e um domínio / registo pt, de Portugal, http://www.cc3485.pt (basta pesquisar no Google, escrevendo 3485).
 
Por esse mundo fora, encontramos muitos sites para todos os gostos e interesses... uns aparecem e outros desaparecem conforme as tendências da época... o nosso é mais uma biblioteca ou um mundo de memórias que começaram na nossa juventude e se prolongam ainda durante a terceira idade... talvez mais tarde, eles dirão de nós novamente.
 
Um abraço do tamanho do Chicapa.
Carlos Alberto Santos

São Martinho no Luso (Operação estou de Desejos) -Novembro de 2021 - Ex-Militares Companhia 3485 e Amigos

Alto Chicapa, 29.04.22

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Quando se partilham as oportunidades os momentos multiplicam-se, até mesmo numa organização improvisada.
 
Os militares ou combatentes como agora gostam de ser falados, vão sendo, ano após ano, em menor número, mas, mesmo assim, a vida é feita de momentos, alguns são apagados, outros ficam a perdurar na nossa memória e fazem de nós o que somos!
 
Foi mais um convívio de São Martinho, este com a bênção de um São Covid, que acabava de voltar e dava novamente o primeiros sinais de novas infecções.
 
Apesar de tudo, dez anos depois voltámos ao Luso com o entusiasmo possível.
 
"Amigo que não ri junto não sabe sofrer junto".
Meus amigos são todos assim:
Metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade a sua fonte de aprendizagem, e lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice.
De Oscar Wilde
 
Visita ao Aliança Underground Museum

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Salinas do Corredor da Cobra

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Visita à cidade da Figueira da Foz

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Fados de Coimbra e Magusto

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Visita à Vila do Luso

 

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 Carlos Alberto Santos

 

 

Viagem à Ilha da Madeira, Outubro 2021 - Ex-Militares Companhia 3485 e Amigos

Alto Chicapa, 27.04.22

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Depois de ano e meio de receios e confinamentos, aconteceu... a nossa viagem anual, quase como os sabores de um qualquer bolo de aniversário.

O certificado de vacinação com as duas doses e a inscrição na app Madeirasafe foram o nosso passaporte.

Aterrámos cedo na Ilha da Madeira, a “Pérola do Atlântico”. O corredor verde-escuro no aeroporto Cristiano Ronaldo, proporcionou o livre acesso ao exterior e à equipa de técnicos, que rapidamente confirmaram o que já estava validado no telemóvel.

Durante o voo... senti-me como uma criança feliz e livre num parque de diversões. Afinal, ia em direção à terra das flores, das levadas, do bolo do caco e da poncha.

Esperava-nos um sol radiante, um vento quente e um cheirinho a mar.

No autocarro, já a caminho da nossa primeira paragem no Machico, dizia-nos com orgulho, Darlene Perestrelo, guia oficial: arregalem os olhos e sintam os aromas... até trespassam a máscara.

Ler mais aqui.

Carlos Alberto Santos

www.cc3485.pt

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Estou velho ou velho é o meu passado?

Alto Chicapa, 27.04.22

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Com os meus 74 anos, o estilo de vida já implica um conjunto de situações biopsicossociais... calos, desgaste e degeneração do organismo.

Apesar de tudo e do inevitável, revolto-me quando sou alvo de visões tendenciosas e preconceituosas ou estereotipado como um ser cansado, incapaz e dependente de outros... no entanto, estou consciente do momento.

Um pesado encargo para a sociedade ou o velho com umas quantas histórias aborrecidas e repetidas, para (re)contar.

Ontem, na calada da noite, enquanto escrevia para a Margarida, na fita de finalista da licenciatura em Natureza e Ambiente (é este +/- o nome), desci à realidade... como está velho o meu passado.

Ainda me interrogo, como é possível já estar a escrever numa fita de finalista da minha neta?

A minha licenciatura parecia-me recente... o ano de 1980 passou há muito tempo e muito depressa.

Sentei-me e escrevi, Maio de 2022 como título, abri uma garrafinha de água, e o resto escreveu-se sozinho.

Imaginem:

A liberdade absoluta para escrever divertido, o que quisesse, sem frases feitas, mas com momentos mais sérios à mistura.

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A realidade, numa fita de finalista:

MAIO de 2022

Margarida, lembras-te daquela ida à Ilha da Madeira, quando devias ter ficado a estudar?

Eu lembro-me e tenho saudades... o que te queria dizer era que, só com a menção de Caminhada, Levada e 11 km a maioria já estava a tremer.

À última hora creio que muitos prenderam a respiração, mas seguiram... acabaram determinados e superaram-se.

Nunca percas a coragem, precisaste dela para concluir a etapa que agora terminas e voltarás a precisar.

A vida na Terra está doente (mais de um milhão de espécies serão extintas)... o mundo precisa de mais licenciados como tu!

Parabéns!

Continua a ser uma pessoa simples e bem-disposta, apesar deste sucesso.

Se um dia a vida for cruel contigo, não desistas, luta sempre... mais tarde, vais conseguir!

Enquanto esperas... pelo menos dá tempo para tomar uma "PONCHA" contigo.

Beijinhos!

O teu avô Carlos A.

 
Carlos Alberto Santos

Cacho a cacho... uma vindima em Ribafria / Alenquer - Setembro de 2021

Alto Chicapa, 03.10.21

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A vindima é o culminar de um ano de trabalho, feito... quase cacho a cacho. Mais tarde, o cheiro a engaço e a mosto permanecem iguais.

Com um clima cada vez mais incerto não há ciência que nos valha. Dizer que somos capazes e que temos mais tecnologia, também não resolve... enfim, perante o incerto na colheita há que prevenir, manter a guarda e, para os crentes,... rezar!

São 7h45m da manhã, o motor do trator aquece e o vento leve abana as folhas das videiras... seca o orvalho da noite.

O grupo de vindimadores em fila, com vagar e com os baldes ainda vazios, sabem o que os espera.

Não uso a máquina de vindimar, o processo ainda é artesanal e geracional. Há quem se lembre dos avós, dos tios, do Zé da Clotilde... se estivessem... um pensamento recorrente durante a vindima.

O trajeto na vinha faz-se de uma ponta à outra... cruzam-se vidas, risos e memórias, que sobrevivem aos anos, entre baldes a circular de um lado para o outro. Os menos experientes usam luvas, que impedem o toque direto na uva e atenuam o golpe de uma "ferroada" da tesoura. Os outros, mais treinados, não gostam das luvas, são ágeis, têm unhas de negro e os olhos na ponta dos dedos. De vez em quando, prova-se um bago... hum, está doce!

Ninguém faz má cara ou torce o nariz, quando é preciso transportar mais um balde ou colher uma videira esquecida.

Para haver vinho e poder partilhá-lo com os amigos é preciso trabalhar a terra, fertilizar, escavar, podar, limpar, tratar, vindimar e deslocar os bagos para a adega, que se transformam em néctares brancos, rosés, tintos... até champagne.

Pasteur disse um dia: "Existe mais filosofia numa garrafa de vinho, que em todos os livros". O vinho a tudo tem resistido... às mudanças de hábitos alimentares e até à confusão entre alcoolismo e consumo de vinho... atualmente, é uma mais valia na balança comercial portuguesa.

A instabilidade climática em 2021, com nevoeiros mais intensos, chuvas e menos horas de sol, atrasou o desenvolvimento de algumas castas. Ainda assim, as perspetivas são para um ano de qualidade elevada em matéria de vinhos brancos e rosados e nos tintos, com uma vindima mais tardia, os resultados também serão animadores.

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As colheitas, a vida e o clima alteram-se para melhor ou para pior... mas, cabe a cada um de nós saber viver felizes!

A minha gratidão a todos os que ajudaram e colaboraram, e... para os amigos, pela preocupação nos resultados… eles que têm estado ausentes devido à pandemia e sem aquela alegre partilha de emoções e do convívio numa casa cheia.

Carlos Alberto Santos

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Entre a gloriosa bicha de pirilau e a vacina de dose cavalar

Alto Chicapa, 01.07.21

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Não sendo grandes motivos de história, selecionei três momentos da minha juventude para vos contar... para os quais não estava preparado.

 
Na instrução de recrutas ou na recruta, como vulgarmente lhe chamavam, os primeiros dias iam-se alternando entre atividades físicas e procedimentos de burocracia acessória.
 
Começo pela fotografia para o cartão ou caderneta e processo militar, onde incluíam a PIDE. Era um procedimento do tipo presidiário... uma parede branca, um boné e um casaco do uniforme, que serviam para todos, e uma placa em chapa  pendurada ao pescoço, com um número escrito à mão, o número mecanográfico, que acabava por ser banalizado, melhor... desprezado ao longo da instrução, devido ao uso das alcunhas: o canina, o tretas, o missas (rezava à noite), o risadas, o cu de alface, o chupa grelos, o beiças, o corno feliz, o três pernas, o piçalho, o conas e o conichas (andavam sempre juntos) e o cacaralho (era gago), entre outros menos icónicos.
 
Depois... veio o dia da inspeção médica. Estávamos em Janeiro de 1971, ao frio, num longo corredor... um pelotão todo nu esperava em bicha para entrar no posto médico. Quando chegou a minha vez, entrei muito devagarinho... nos meus 50 kg, ia à defesa para a primeira brutalidade e também porque já há algum tempo que não sentia os dedos dos pés.
100347 de 69, apresenta-se!
Nem um olá recebi... tenho dúvidas se olharam para mim. 
Encontrei um médico sentado a uma secretária, com os olhos fixos em qualquer coisa, e um cabo enfermeiro, com cara de forcado na reforma, apoiado numa minúscula mesinha... escreviam alternadamente num livro enorme.
Só falou o médico :
- Já sei!... não sofre de nada! 
- Chegue-se aqui! 
- Pela ponta, levante o pirilau! Arregace! 
Enquanto me apalpava os fundos, sem mágoa, concluí que a bicha no corredor e o levantar do pirilau, davam razão para que se ouvisse: todos em bicha de pirilau. 
- Vá-se embora! Leve este papel e entregue-o ao meu major dos psicotécnicos... estava escrito, apto para todo o serviço. 
- Nosso cabo... onde estamos? Rápido, chame outro!
 
Para terminar... no fim do primeiro mês de instrução, a uma quinta-feira, aconteceu o dia da primeira vacina... a vacina, que dava para tudo. 
Apesar de estarmos num inverno, frio e chuvoso, houve uma cerimónia cheia de pompa e circunstância, mobilizaram-se os pelotões e  as mais altas patentes do quartel.
Em grupos de 20, fomos para enfermarias improvisadas... tronco nu e de costas voltadas sentámo-nos em bancos corridos, os do refeitório. 
Os comentários das anteriores vítimas, faziam adivinhar o início de uma "carnificina".
De repente, aparece um enfermeiro com uma mini esfregona improvisada de um maço de algodão... sem avisar, besunta o nosso lado direito com tintura de iodo, em movimentos circulares pelo ombro e na omoplata.
Atrás vinha um soldado a transportar uma terrina cheia de agulhas, que pareciam ferros... era a terrina da sopa, que costumava ir à mesa.
A fechar o cortejo, havia um outro enfermeiro com ar, sinistro... as anteriores vítimas já o tinham apelidado de espetador de ferros. 
À medida que o trio se aproximava, iam-se esclarecendo todas as dúvidas acerca dos sons, que entretanto se ouviam.
O espetador, antes de enfiar a agulha, que mais parecia um cano, dava um chapadão nas costas... até fazia parar a respiração.
Finalmente, o último enfermeiro com uma grande seringa, semelhante a um inseminador para gado, distribuía as doses a olho o que provocava um desacerto para o último, do banco... ou não levava a dose completa ou levava também o reforço.
Posso confirmar, aquilo era mesmo cavalar... fiz todo o serviço militar sem constipações, enxaquecas ou dores de qualquer espécie, nada me fazia mal... só não fiquei imune à malária / paludismo e aos "turras".
Voltando à enfermaria.
Um camarada conhecido por touro... uma força da natureza... tinha uma fraqueza, não conseguia ver agulhas.
No banco corrido, o touro fazia das tripas coração para não ver o que se estava a passar.
Aconteceu que, depois de levar com o líquido e antes que lhe retirassem a agulha, levantou-se para sair dali. Gritámos para se sentar e alguém acrescentou: ainda tens a agulha.
Olhando para o ombro, para confirmar, viu a agulha espetada... de imediato, caiu inanimado no chão.
Aquela animalesca vacinação terminou com o arrancar das agulhas e com a limpeza do sangue, que já escorria pelas costas de alguns.
As dores, no lado direito do corpo, já davam os primeiros sinais... fomos compensados com uma sessão de aplicação militar, destinada, como dizia o alferes-China, para fazer espalhar a dor.
A seguir, sem as grandes formalidades habituais, fomos de fim de semana.
Já não tenho a certeza se todas as indisposições se resolveram rapidamente só com umas aspirinas... mas rezam os certificados internacionais de vacinação do Ministério do Exército, distribuídos posteriormente, que não nos livrámos de mais vacinas, como as do tétano, cólera, varíola e febre-amarela.
 
Recordar, faz-me bem, a ti e a todos nós... reconstitui as tuas memórias, os sítios por onde passaste, viveste, combateste, amaste, sofreste, viste morrer... eventualmente, um parte do teu corpo e da tua juventude. 
 
Um abraço do tamanho do Chicapa. 
Carlos Alberto Santos

Férias... Viagens... não é, só encostar a barriga à mesa

Alto Chicapa, 19.06.21
Vida mudou!
 
Conhecemos uma realidade pré-COVID e pós-COVID… e, se já éramos ansiosos, agora verifica-se um aumento significativo de pedidos de ajuda relativamente à ansiedade, sendo transversal a todas as faixas etárias.
 
Falo de Ansiedade quando é excessivamente intensa e desproporcionada quanto ao perigo real.
Manifesta-se através de sintomas físicos: o coração bate mais rápido, a respiração mais rápida e superficial, contrações musculares, transpiração, dores de cabeça… e sintomas psicológicos: vontade de fugir / evitar algo, medo de morrer / enlouquecer, antecipação e avaliação maximizada dos perigos… Com a combinação destes sintomas, o doente perceciona que algo de muito grave estará para acontecer e entra num ciclo vicioso. Esta condição clínica é debilitante, causa grande sofrimento e tem um grande impacto sobre a vida quotidiana. Pode sentir que está a ficar sem controlo.
 
Depois de largos meses a viver com incertezas, perdas, mudanças constantes, avizinha-se um período, as férias. 
Porém, muitos dirão: “férias são para quem pode”; “para quem vai para um hotel”; “para quem não tem responsabilidades / obrigações;”.
É essencial que, quer faça férias dentro ou fora de casa, tenha momentos de descanso e de lazer, e deve gerir esses momentos conforme a sua disponibilidade, o importante será sempre promovê-los.
 
Enfrentar a ansiedade é o primeiro passo para quebrar o medo e inseguranças. As férias serão sempre um ótimo momento para que possa PARAR, REFLETIR E MUDAR!
· PARAR, anotar sobre o que mais o preocupa.
· REFLETIR, acerca das diversas formas de resolução.
· MUDAR, selecionar a opção que mais se adequa a si e à dificuldade identificada.
 
Para que este período de férias seja regenerador faça algo de diferente, algo que proporcione novas emoções / sentimentos e crie novas memórias. Assim sendo, planeie, sozinho ou em família, atividades que promovam a atividade física e ao ar livre, a relação com os outros, a descoberta de novos lugares… fazer qualquer coisa que durante o ano não teve tempo e é algo que aprecia!
 
Ao planear as suas férias irá sentir maior sensação de organização e tranquilidade e o resultado será compensador.
 
Contudo, para algumas pessoas, esta pequena sugestão poderá parecer de grande dificuldade porque gera pensamentos de muitos “ses”… e “se não gostam?” e “se algo não corre como o planeado?”… inseguranças que condicionam comportamentos.
 
Como gerir a ansiedade? 
· Fale com alguém em quem confia; 
· Partilhe pensamentos e sentimentos com um familiar / amigo; 
· Foque-se em ações que consegue controlar; 
· Em situações de maior ansiedade, respire fundo; 
· Escreva, coloque no papel pensamentos e sentimentos.
 
Se continua com dificuldade, procure ajuda. Um(a) Psicólogo(a) tem um conjunto de ferramentas e intervenções baseadas na evidência científica que ajudará a compreender o que provoca a sua ansiedade, a lidar melhor com ela e a modificar alguns dos seus pensamentos / comportamentos.
 
Texto de Dra Carla Gomes 
Clínica Trofa Saúde Braga
 
Eu acrescento:
Vão de férias, sempre à descoberta ou em viagem, em novos lugares, entre pessoas com outros hábitos, onde haja necessidade do movimento, "ginastica" física, mental ou emocional... FUJAM DAS ROTINAS e não subestimem o momento viral, nem partam com a ideia feita de que a pandemia Covid-19 já acabou... certamente vai durar, mais uns bons anos.
 
Um abraço do tamanho do Chicapa.
Carlos Alberto Santos
 
 

 

Entrevista a um ex-combatente, com histórias, que não quer contar

Alto Chicapa, 29.03.21

Estamos no mês de Março, na Primavera de 2021.

O futuro, uma vez mais, prega-nos partidas... grandes desafios para a medicina, as privações de liberdade e as ameaças de mais pobreza no mundo.

Eu sou o Carlos Alberto Santos, ex-alferes miliciano e ex-combatente na Companhia 3485, do Batalhão 3870.

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Fui militar no exército português, desde Janeiro de 1971 a Junho de 1974, três anos e seis meses. Em Fevereiro de 1972 fui para a Guerra do Ultramar.

A guerra de guerrilha em Angola, aconteceu no período de confrontos entre as Forças Armadas Portuguesas e os Movimentos de Libertação, UPA/FNLA, MPLA e UNITA, entre os anos de 1961 e 1975.

A minha ligação ao Exército terminou com a passagem à disponibilidade ou passagem à peluda, como se costumava dizer.

Continuo casado, tenho três filhos e três netos, 72 anos... velhinho! Sou natural de Lisboa, mas com genética minhota, de Melgaço, por parte da mãe, e beirã, de Unhais da Serra / Covilhã, por parte do pai.

O que vão ler a seguir, é apenas e só uma entrevista a um ex-combatente em África.

O que o motivou a entrar no exército português?

Nada, mesmo nada.

Fui obrigado, como voluntário "à força".

Naquela época ia-se a uma inspeção obrigatória no quartel da área de residência... foi um momento agitado, ficámos todos com o "pirilau" à mostra.

Mais tarde, quando menos se esperava, vinha o recrutamento, que só alguns conseguiram adiar ou escapar.

Como estava a estudar na Faculdade de Medicina de Lisboa, solicitava adiamentos anuais de incorporação no exército. Foram dois anos e meio de espera (era o termo usado)... mas, a seguir ao Maio de 68, quando a revolução dos estudantes franceses começou a influenciar as organizações em Portugal, a PIDE atuou sem piedade nas Universidades, com as chamadas rusgas nas faculdades, que terminavam, quase sempre, com pontapés nos "tomates", murros, chapadas e a inevitável prisão dos líderes académicos e dos outros, que estivessem por perto.

O governo, por sua vez, como forma de coação, determinou às reitorias o cancelamento de todos os pedidos de adiamento de incorporação no exército.

No final do primeiro período escolar... uma semana antes do Natal, recebo um postal e uma guia de marcha para me apresentar  no dia 11 de Janeiro de 1971 no Quartel, em Mafra.

Foi um Natal muito sofrido lá em casa.

A minha mãe, andava a fazer tratamentos a um cancro de mama... abraçava-me a chorar... chorava sem fim (terrível).

Depois da experiência, mudava alguma coisa no serviço militar?

Mudava muito. Conforme está hoje, o serviço militar é uma aberração, não serve para nada... é a imagem decadente de quem nos governou e governa.

O Serviço Militar deveria continuar, para homens e mulheres, mas num registo de formação e de envolvimento cívico... sem estragar ou empatar a vida do cidadão.

Fazia bem a todos.

Mesmo só de passagem, a organização militar é uma escola de vida, de disciplina e de valores... no final de um percurso militar, alguém me dizia: quando entrei para a tropa era um "atado", saí de lá um homem.

O modelo israelita, independentemente da visão daquela guerra, poderia servir para uma base de trabalho.

Quantos quartéis e infraestruturas estão subaproveitados?

Porque estão obsoletos os hospitais do exército, da marinha e da força aérea?

O laboratório militar, de onde saíram tantos medicamentos, os LM e outros, até vacinas... porque foi esquecido?

E o centro de estudos epidemiológicos do exército?

A memória pode ser curta (?)... mas há milhares de profissionais formados na Força Aérea, na Marinha e no Exército a trabalhar em empresas civis de diferentes sectores... e hoje?

Gostava de ver os seus netos no serviço militar?

Gostava, mas não na guerra.

A disciplina, a hierarquia, o sentido de organização e o respeito pelas diferenças fazia-lhes bem.

Na guerra não! Porquê?

Andei na guerra em África... sei o que é.

Na guerra não... as guerras são injustas e desnecessárias.

Quando o mais forte ser humano, é tão frágil numa pandemia... guerra para quê?

O que sentiu quando foi chamado para combater em Angola?

Fiquei assustado.

Era um menino!

Não sabia o que era combater, nem estava treinado para tanta responsabilidade... por isso, ouvia-se: carne para canhão.

No Leste de Angola, aquilo não era brincadeira, já era uma guerrilha a sério... quem facilitava, geralmente recebia problemas de volta... os que estavam em fim de comissão "os velhinhos", diziam aos recém chegados, "os maçaricos": se não matares primeiro, és o homem que morre... a estupidez da guerra.

Pensou, alguma vez, que podia não voltar vivo?

Pensei muitas vezes, principalmente durante os trajetos na picada.

Quando andava na mata sentia-me mais tranquilo... as noites e as madrugadas também não eram de confiar, no entanto o meu cão Buda, que parecia nunca dormir, dominava a escuridão, sem ladrar... era a melhor sentinela.

Tínhamos uma vida muito complicada... a mina acontecia e a bala espreitava.

A interajuda desinteressada, entre nós, tornavam tudo mais fácil... quase o único conforto... não me canso de dizer: estou vivo, porque os meus camaradas estavam perto de mim.

O que sentiu quando chegou a uma terra tão diferente de Portugal?

O primeiro choque foi o calor, em Luanda. Parecia uma fornalha.

Depois... as pessoas.

Nos primeiros dias, os pretos pareciam todos iguais... os miúdos também eram muitos, não paravam, estavam sempre a pedir... os brancos (silêncio)... não imaginava que fossem assim tão distantes da realidade e alheios a tudo, exceto às suas vaidades.

Num restaurante da ilha, só por estarmos a conviver ou talvez um pouco mais animados, senti(mos) a verdadeira dimensão do desprezo que tinham por nós, militares... uma família marcou-me para sempre... o vosso lugar é no mato, fora daqui... a seguir, veio o empregado: vão ter que terminar e sair.

Com o tempo, fiquei a conhecer melhor aquelas atitudes... uma prática muito comum nas grandes cidades. Por exemplo, em Malange, terra de diamantes, a arrogância era enorme... quando os "senhores" caminhavam no lado direito da estrada o preto sentia-se na obrigação de passar para o outro lado.

Para quem acabava de chegar, de Portugal, para combater e para ajudar as populações, estas atitudes eram impensáveis.

A vida no interior de Angola era diferente... era mais pura.

Viviam de uma forma rudimentar... praticamente só tinham o que a natureza lhes dava, isto é, se não fossem espoliados pela guerrilha.

Apesar da guerra e de vivermos paredes meias com o "inimigo", era, apesar de tudo, um ambiente fascinante e culturalmente rico.

As pessoas eram boas e sem maldade... quando gostavam, eram amigas. Mas, também os havia, os de dupla pátria e os malandros.

Não contando com os militares, num raio de 100 /150 kms só existia um ou outro branco, geralmente comerciante ou o chamado chefe de posto.

Viver no interior, com a natureza e com pessoas muito cultas, à sua maneira, marcou-me muito. Foi um fascínio, que perdura, meio século depois.

Como resolvia os momentos de maior aflição?

Não sou de grandes aflições.

Nesses momentos sou frio. É preciso resolver... resolve-se sem nervos, sem medos e com a consciência de que pode correr bem ou não.

No dia seguinte, vem o pior, os meus intestinos desfazem-se... na escola, depois dos exames, acontecia-me o mesmo.

Em conflitos, com armas na mão, uma indecisão era fatal.

Com a experiência a maioria ficou pronta para tudo e ia sempre em frente, como se nada fosse... quase sem a perceção do risco.

Tem alguma imagem marcante de mortes?

Não houve mortes na Companhia 3485... apenas feridos em acidentes.

Só tenho uma situação marcante com a morte. O assassinato de um homem, que violou a mais nova de quatro mulheres de uma família na aldeia de António Cavula.

As quatro mulheres, unidas pela natureza de um casamento polígamo, decidiram fazer justiça... envenenaram e enterraram o agressor, ainda vivo.

Quando o chefe de posto foi informado daquela morte exigiu a retirada do corpo da improvisada sepultura. À medida que o corpo ia sendo retirado o povo fugia com medo do feitiço dos espíritos... a força do veneno criou um monstro.

Semanas depois, quando me encontrei com o Chefe de Posto perguntei-lhe como tinha ficado o caso do monstro de António Cavula... respondeu: O Soba, depois de consultar os Mais Velhos, concordou com o julgamento dos espíritos, o homem deixou de ser homem... quando decidem assim e não há conflitos, o Chefe de Posto não se envolve.

Como entendeu a guerra colonial?

Como todas as outras... não há guerras sem interesses paralelos, políticos e económicos.

Em Angola não fugiram à regra... o povo acabou por ser o principal sofredor... continuam subjugados ao colonialismo geopolítico... ao poder económico, ao consumismo e à dívida.

Quais eram os momentos de descontração?

Descontrair sem controlo era perder o foco da guerra... era perigoso e podia pagar-se com vidas.

Efetivamente havia momentos assim, para esquecer... entre petiscos, jogos e conversas.

No meu caso, também juntava a esses momentos um diário e alguns livros... lia muito.

Havia militares com problemas traumáticos?

Traumas... acho que não.

Só algumas "pancadas" leves, talvez isso! Eram apenas situações comportamentais, de uma dezena de militares mais problemáticos... quase sempre à volta da violência sexual, das drogas leves e da negação das regras.

A ditadura e a rigidez de comando também ajudavam à indisciplina dos "revoltados", que se manifestavam, depois, fora de portas, com comportamentos extremados.

Sem querer particularizar... hoje sim, há gente com problemas traumáticos, como por exemplo: os que não querem ouvir falar dos camaradas ou da tropa, os que só querem distância dos temas... mesmo que a mente sofra ou as "dores" de consciência, reais ou não, atormentem os dias.

Quando soube que a missão em Angola estava a chegar ao fim, o que pensou?

Sinceramente, não pensei em nada... mas tinha, desde o final do ano de 1973, um duplo sentimento amargo: os anos de juventude perdidos, para nada, e a hipocrisia daqueles, que nos foram buscar para combater e no final fizeram tudo para nos esquecer.

Este sentimento exacerbou-se, entre o quarto trimestre de 1973 e o primeiro trimestre de 1974, na sequência das alterações impostas pela paupérrima gestão do Sr. General Hipólito.

Os erros de estratégia, como o "rasgar" de acordos e a retirada de militares influentes e importantes nas pontes entre o IN e as NT, acabaram por ser fatais para centenas de camaradas, numa guerra que parecia ganha.

A falta de diplomacia e o desprezo  pela nova UNITA, deram força para ataques quase em simultâneo com o MPLA. Houve perdas, sem precedentes, de muitas vidas de civis, de militares e a destruição de muito material nas NT... armas, viaturas, equipamento de comunicações e até infraestruturas.

O que sentiu quando regressou da guerra?

Foi, sem dúvida, uma explosão de emoções, entre sensações estranhas e de alegria.

Senti o conforto da casa e da família e a urgência de recomeçar a vida em Portugal.

Encontrei o meu país, em pós revolução de 25 de Abril, com convulsões sociais, manifestações e muitas greves.

Sem contar, fiquei envolvido numa nova "guerra"... procurar trabalho.

Uma curiosidade... durante as primeiras noites em Portugal, não conseguia adormecer na cama, apoderava-se, de mim, uma agitação inexplicável.

Parecia que faltava o ar... dormi várias semanas deitado no tapete e de janela aberta.

Faziam-lhe muitas perguntas sobre a guerra?

Nos anos a seguir ao 25 de Abril, as conversas sobre a guerra colonial eram evitadas... praticamente, não perguntavam.

Havia um sentimento de culpa na sociedade portuguesa, até porque havia os colonos regressados e os que tinham fugido das retaliações ou da guerra civil em Angola.

A guerra foi marcante, para quem a viveu... mas, também havia grandes momentos de amizade.

Como compara a guerra colonial com as guerras de hoje?

De uma maneira ou de outra, guerra é sempre guerra... há mortes, feridos e destruição.

Atualmente, a guerra acontece com mais tecnologia, armas sofisticadas e até visão noturna... é diferente. Usam a espionagem dos satélites e a robótica de precisão... atacam onde querem.

Acho que não há comparação possível... passou-se da armadilha e da flagelação aos drones e à robótica.

Há alguma história que queira contar?

Há muitas histórias simpáticas, que se poderiam contar aqui, resumidamente... mas iam desvirtuar a finalidade desta entrevista.

No entanto, no site da Companhia 3485 (www.cc3485.pt), podem ler histórias com momentos daquela época... se não estão mais, foi porque não as quiseram contar ou então, são para esquecer, mesmo!

Também há outras histórias, que de tão íntimas... só as queremos guardar para nós.

Os dois anos e meio de guerra, o ambiente hostil e o que passámos... essa sim, é a nossa história (silêncio).

Parece desiludido, pela minha decisão...!

Como não quero desiludir, conto então uma história real, passada numa terra de lindas mulheres, Chaves em Portugal.

Já não me lembro como tudo começou, mas decidiram que tinha de dar aulas regimentais de preparação para o exame da quarta classe.

Dava aulas duas vezes por semana, numa sala na Câmara Municipal.

Depois, no quartel, durante a tarde de quinta-feira, respondiam a um teste livre com a matéria da semana... três perguntas e uma cópia de um pequeníssimo texto.

Entretanto, espalhou-se um boato (intencional)... as perguntas e os textos, que se repetiam nos testes de aprendizagem semanal, saíam no exame final.

Ao princípio, demonstravam falta de empenho e eram pouco cuidadosos... gordura, sujidade... iam à escola por obrigação.

Na terceira semana de aulas, mais ou menos a meio, informei-os: vocês ainda não sabem... quem vai avaliar o vosso exame é a professora que tem estado a corrigir as vossas provas semanais.

Se a quiserem conhecer... janta quase todos os dias na messe de oficiais... juntem-se, e vão até lá, eu faço o resto.

Apresento-vos a minha mulher...

Como por magia, tudo mudou a partir desse momento. Mais empenho, letras cuidadas, corações desenhados, papel perfumado e um exame da quarta classe inesquecível... momentos únicos, que nos acompanham pela vida fora.

Consegue comparar a atual pandemia Covid 19, com as doenças, que existiam durante a guerra colonial, em Angola?

Não consigo fazer essa comparação... não tenho conhecimentos e as épocas também são distintas.

Mesmo assim, há algo em comum: hoje, ainda não temos os tratamentos a 100% para o coronavírus Covid 19 e no passado só havia a penicilina para anular infeções provocadas por bactérias, mas, apesar de tudo, havia a vantagem  de não haver mobilidade fácil e grandes concentrações de pessoas.

Durante a guerra, a Sífilis e a Gonorreia, transmitidas através da relação sexual, eram as doenças mais complicadas de tratar.

Havia também a Lepra e doenças hemorrágicas muito letais.

Finalmente a Malária ou Paludismo, que meio século depois, ainda é uma doença endémica em África.

É uma infeção dos glóbulos vermelhos, causada pela picada do mosquito Anopheles fêmea infectado.

Atacou muitos militares na Companhia 3485.

A minha experiência com a doença não foi nada boa. Febre acima de 40º C, suores frios, uma contínua dor de cabeça, falta de força para sair da cama e não conseguia raciocinar. Só ao fim de 4 dias é que tive a verdadeira noção do que estava a acontecer.

Não gostei de terminar a minha entrevista assim... mas, como é óbvio, a vida também é vivida em luta contra as doenças.

Um abraço do tamanho do Chicapa.

Carlos Alberto Santos

 
 
 
 
 

Meio século depois... da viagem dos grandes choques de realidade para duas centenas de voluntários à força em Angola

Alto Chicapa, 28.01.21

Praticamente, meio século depois…

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Ao meio-dia de um sábado, sempre o primeiro depois do dia 15 de Maio, num restaurante da região do organizador (Lisboa, Braga, Fátima, Peniche, Porto-São Félix, Santarém, Viseu, Batalha, Évora, Alenquer, Arouca, Paredes, São João da Pesqueira, Ponte de Lima, Caldas da Rainha, Sta. Maria da Feira, Alpedrinha, Cascais, Barcelos, Vimioso, A Ver-o-Mar), juntam-se algumas dezenas de homens e mulheres com idades próximas, muitos já na “casa” dos 70… outros mais novos… descendentes, filhos e netos, num ritual ansiado.

O ambiente é de alegre convívio, entre a cerimoniosa presença das esposas rejuvenescidas e a camaradagem barulhenta dos homens.

As mulheres relembram, mais um ano que passou, os novos descendentes… perguntam pela família e pelas novidades.

Os homens juntam-se em grupos, riem, falam alto e distribuem abraços com palmadas nas costas.

Quem está de fora, nem sempre consegue compreender este tipo de concentração de pessoas. Umas de roupas domingueiras e outras informais, como num dia normal.

Apesar da nossa dispersão geográfica, entre Norte, Centro e Sul de Portugal, que separa as nossas vidas... a camaradagem dos tempos de guerra constitui o motivo para que uma vez por ano haja uma viagem no país e no tempo e com horas de recordações, que pertencem a todos com a comemoração na continuidade entre o passado e o presente.

Depois dos fartos aperitivos… sem mesas reservadas… há quem guarde o lugar para a esposa e descendentes e na mesa ao lado, para os amigos convidados. Há grupos no feminino, as “militaras” que se tornaram amigas ao longo dos anos e se juntam entre si.

O almoço convívio, pelo ambiente e pela variedade da comida, parece um casamento… mas é um encontro de camaradas, ex-combatentes na guerra de guerrilha em África, que se juntam e se revêm durante uma tarde à volta do prazer da mesa.

São os encontros anuais, da Companhia 3485 do Batalhão 3870, que acontecem com regularidade desde o nosso regresso de Angola, em Junho de 1974.

O Batalhão 3870 foi mobilizado em Julho de 1971. Constituído por uma Companhia de Comando e Serviços e quatro Companhias Operacionais, num total de 1100 (?) homens. No entanto, foi só em Novembro e no Campo Militar de Santa Margarida que se juntaram os restantes militares das especialidades para o embarque em Fevereiro de 1972.

Todos os anos há um bolo com o brasão de armas da Companhia e um brinde com espumante para todos, os que estão e os que não podem estar presentes. É também neste momento que se escolhe o responsável pela organização do próximo encontro / convívio, a quem cabe, sem oposição, toda a logística, na escolha da região, do restaurante, da ementa e do envio dos convites.

Estes (re) encontros nasceram da teimosia e determinação de um pequeno grupo de camaradas que decidiram ter chegado o momento de reunir a Companhia 3485. Com a lista dos nomes à data da incorporação, iniciou-se, entre telefonemas, viagens a aldeias e conversas com vizinhos, o processo de localização dos antigos companheiros de armas. Alguns, nunca foram encontrados.

A primeira vez que revi ex-companheiros, olhei, olhei… para muitos foram precisas pistas… não conheces o Freitas? És tu castiço! São tantos anos… no entanto, outros não tinham mudado nada, não havia engano possível.

Apesar das roupas civis, de agora, que podem denunciar a proveniência de cada um… os uniformes, de então, que distinguiam apenas a hierarquia militar, constituíam um nivelador social sem precedentes nas nossas vidas, que perdura até aos dias de hoje.

De um momento para o outro, o salão converte-se num espaço de festa… dançam e cantam os temas. Os que fumam aproveitam para vir até à rua ou simplesmente falar das suas vidas, do tempo que passou, de camaradas falecidos e dos que ainda são procurados, na tentativa de os juntar. Mas há também quem relembre velhas histórias de Angola… as que merecem ser lembradas, num tom geral de boa disposição.

É desta forma que as memórias da guerra no Leste ou na Lunda, entre 1972 e 1974, se reconstituem no presente com os episódios vividos há meio século, entre os valores da camaradagem e os acasos, de sorte ou azar.

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Ao longo do ano… noutros convívios, que também nos levam a viajar e não só no tempo… desfrutamos em proximidade e durante mais tempo a amizade, que perdura no inédito e num prazer diferente por Espanha, França, Marrocos, Açores, Checoslováquia, Eslováquia, Hungria, Bulgária, Roménia... ou a conviver e a partilhar os momentos... num fim de semana de passeios (Coimbra, Serra da Estrela, Óbidos, Foz Coa, Lisboa, Viana do Castelo, Castelo de Vide, Évora, Chaves), celebrando as castanhas e o São Martinho.

O guião dos convívios repete-se ano após ano sem grandes surpresas. Antes de começar, a festa já acontece nos pontos de encontro, antes de um almoço anual, num aeroporto ou num hotel para um fim-de-semana de passeios.

Há de tudo, num ruidoso aquecimento… conversas, alegria, anedotas, cantorias, os beijinhos do Chumbinho e a poesia do “Manel” Esteves, onde é declamada aquela solidão do destacamento militar no meio de nada, só selva Africana… hoje há a comemoração partilhada do passado com a “outra família”, que a guerra construiu numa situação de violência, doenças e dependência mútua.

Naquele tempo não se fazia a guerra sozinho… é essa a imagem que eu ainda tenho e que não se apaga… a proximidade dos outros.

Hoje estou a escrever, porque um de vós estava perto de mim.

Sem passarmos a linha, que separa o que deve ser lembrado e o que deve ser esquecido… quando nos juntamos, o tempo da guerrilha renova-se… era o isolamento, a tensão em terra hostil e as aventuras num mundo diferente, que se descobria.

Aqui e ali, vai-se ouvindo: RECORDAS-TE?

DE LUANDA… uma cidade alegre, elegante, ao mesmo tempo antiga e moderna. Bebia-se uma cerveja e vinha logo um pires de camarão! Quando vinham canecas, era uma barrigada de marisco. Os arredores, com os musseques muito pobres e cheios de barracas de madeira e de chapas e ruas com esgotos a céu aberto. Um mundo incrível.

E… a “avenida” da prostituição. Porta sim, porta não, ao postigo ou sentadas à entrada a oferecerem-se, como mercadoria. Nunca pensei que fosse possível existir uma “coisa” assim.

DAQUELE HORIZONTE… mata, só mata, tudo primitivo e praticamente sem presença humana… os rios e as suas enormes chanas, as aldeias a horas de distância e a população a partilhar só o que a natureza lhes dava.

DAQUELA CULTURA… gostava do ambiente entre palhotas, as fogueiras, o pirão e o cheiro à mandioca… perdia-me a ver aqueles rituais fascinantes, mas também os havia de horror… tão diferente da nossa terra.

DAS PICADAS… para mim, eram uma tortura. A tensão era enorme, estava sempre à espera de levar um tiro nos cornos ou, então, de não chegar a ouvir o estoiro da mina debaixo da Berliet.

DO DESTACAMENTO DO CANAGE… impossível esquecer. Quando não estávamos de serviço, a fazer segurança ou em proteção, andávamos de camisola ou em tronco nu a banhos no rio… e a comida… um sabor! Apetecia mesmo!

Apesar do inimigo estar ali connosco, aquilo era um paraíso… foram os melhores dias… não havia formaturas e quando havia descanso ninguém inventava qualquer coisa para fazer. Ajudou a matar as saudades de casa e da família.

… DOS GE’s… só me lembro, que havia qualquer coisa estranha neles. Passavam semanas na mata, desenfiados, e ninguém sabia por onde andavam. Sempre achei, que a qualquer momento podia haver a possibilidade de inversão das lealdades. Afinal, era a pátria deles!

De quem não gostava mesmo, era dos Cipaios e até das Milícias, também. Um dia vi-os, junto à casa do Chefe de Posto, em círculo, a espancarem uma mulher, que não conseguia fugir. Naquele momento senti revolta e vergonha. Hoje compreendo melhor a situação das mentalidades de “pretos e brancos”, à época.

NO QUARTEL… o isolamento era enorme. Depois de meses seguidos sem sair, a ouvir as mesmas conversas e a ver as mesmas caras, a impaciência instalava-se… a mesma rotina, mês após mês. Era muito difícil… para não entrar em loucura, muitas vezes às sete da tarde já estava na cama.

DA CHEGADA DO CORREIO… a chegada do correio era a bênção da família. Depois íamos para a caserna ler, ler e reler num grande silêncio… mas também havia, os que não se interessavam. Um dia o Axx vira-se para um conterrâneo… a minha mãe diz aqui no aerograma, que a tua namorada anda com o filho da Carolina… apesar do silêncio, veio logo outro, em cima: Ai a grande vaca, pôs-te os cornos… risos, gargalhadas e uma festa do “carago”!

A tropa acabou por ser boa, abriu-me os olhos. Quando cheguei a Angola, eu era um inocente.

DOS BATUQUES… eram uma maravilha de sons e de danças. Assisti às batucadas quando um morre. Aquilo era uma festa, comiam, bebiam e dançavam toda a noite. Eram velhos, novos e até mulheres com miúdos às costas.

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O que acabei de escrever em plena Pandemia (Janeiro de 2021) são apenas alguns fragmentos de um passado distante, escutado nos convívios e que cada um dos intervenientes ainda recorda com um olhar retrospetivo e reconstruido.

Não quis ser exaustivo, mas as memórias e os episódios repetem-se nos convívios, ano após ano… por vezes, apenas na troca de versões do mesmo acontecimento.

Apesar de tudo, os temas são consensuais.

A maioria das recordações, estão quase sempre concentradas na descoberta da cidade de Luanda, na vida das aldeias (quimbos), na entrega das roupas à lavadeira e nos namoros (muitos), nas viagens em picada, nos banhos de rio, nas noites de batuque e na nossa vida no meio do “inimigo, com duas faces”. Só depois, vem a saudade, a tensão, o medo das minas e das emboscadas, a rotina no quartel, as aventuras no desconhecido e os horizontes de mata.

Este texto com a disciplina do tempo passado e presente, foi o último de seis temas.

Tal como os anteriores, é mais um testemunho para a História, mas também um sinal à sociedade política, que ainda se envergonha daqueles que um dia chamou à pressa para combater.

Foi desta forma, que decidi reviver o passado, entre sentimentos de revolta e saudade, mas também de repúdio, pela juventude perdida numa guerra inútil, pelo patético discurso ouvido no Alto Chicapa, em finais de 1973 e pelas decisões desumanas, desastrosas e precipitadas, na quebra unilateral de acordos, que potenciaram ataques indiscriminados pela UNITA e MPLA às NT (nossas tropas) e abriram o caminho à Guerra Civil em Angola.

Para terminar, resta-me mencionar a minha eterna gratidão para com os meus camaradas de armas. Com eles, contínuo em divida pelos dois anos e meio de convivência, pela amizade desinteressada e, sobretudo, pela solidariedade nos momentos improváveis e difíceis.

Sem aquela partilha de esforços e de sacrifício, todos os obstáculos seriam intransponíveis.

 

"O valor das coisas não está no tempo que elas duram,

mas na intensidade com que acontecem. Por isso,

existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis

e pessoas incomparáveis".

Fernando Pessoa

 

Aquele abraço, do tamanho do Chicapa.

Carlos Alberto Santos

 
 

 

 
 
 
 
 

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