Torturas e pidescos
Acabei de ler o último texto, do blog Paragem Leste, intitulado Tortura.
Senti que é um testemunho vivido no terreno e em tempos de combate.
Mesmo assim, passados 37 anos, ainda magoa e revolta.
Considero que é a opção mais miserável das guerras.
Até me lembrei do meu pai... muito depois de ter votado na oposição, a Salazar, trancava as portas de casa com medo da pide.
No meu documento Tchikapa, o final da viagem ou no blog, narro, também, duas situações idênticas, com torturas e pidescos em acção, que deviam envergonhar qualquer ser humano.
Aqui, vos deixo, duas passagens documentadas com fotografias.
...a vida no Alto Chicapa nem sempre era assim tão cor-de-rosa.
Um dia, depois do serviço no quartel, fui dar um passeio na companhia do meu cão, o Buda. Andava, no exterior do arame farpado, de uma forma descontraída, em calções, camisola branca de manga curta e sem arma.
Quando passei junto ao depósito da água, senti que naquele momento, estava um homem a ser interrogado por alguém, e que teimava em nada contar. Ouviam-se gritos e mais gritos, sem parar.
Provavelmente estavam a convencer o infeliz a falar.
Por ser arrepiante, ainda hoje lhe oiço os gritos.
Num outro caso, acontecido umas semanas depois, assisti à tentativa miserável de obrigarem um outro a falar. Estava de mãos presas e deitado no chão com uma roda do jipe encostada à cabeça.
O silêncio deste homem, interrompido pelo acelerar do motor, era assustador.
Nunca me explicaram os motivos destes acontecimentos nem da prática de interrogatórios com jipe, mas contaram-me, que, quando ficam calados, os procedimentos habituais era entrega-los à DGS / PIDE, para os obrigarem a falar ou os levarem.
…tive de voltar ao “meu” quartel no interior de Angola. Cheguei por volta da hora do almoço, depois de três longas viagens.
A nossa messe, mesmo muito longe de uma cidade, também recebia visitas. Tinha todas as comodidades para uma razoável refeição e, em complemento, ainda havia, logo ao lado, um bar para o café, que era agradável e sempre muito bem cuidado pelo camarada Sousa.
A saborosa bica que bebia, nas férias, no “Xico” do Restelo, era agora substituída por outra, que só por dificuldades da máquina, não era tão boa, mas fazia parte de um vício que se mantinha e que muitas vezes eu complementava com uma aguardente 1920 em balão aquecido.
Efectivamente, faltava no Alto Chicapa, um lugar onde pudéssemos estar longe de tudo o que nos fizesse lembrar a tropa, uma máquina de café expresso de qualidade, o ambiente de um café e o convívio com bons civis em agradáveis momentos de conversa.
Carlos Alberto Santos