São Martinho em Chaves, 9, 10 e 11 de Novembro de 2018 - Ex-Militares Companhia 3485 e Amigos
Voltámos a Chaves, 47 anos depois… quase com os mesmos sentimentos.
No entanto, a cidade raiana, de tesouros romanos e medievais, onde em tantos recantos se respira história milenar, já era outra. Mais moderna, mais urbana e, também como o resto do país, a olhar para o turismo, para o jogo e para as artes.
O centro histórico lá estava, ainda bonito e com algumas das suas varandas a resistirem aos novos tempos, mas… o apito do comboio na linha do Corgo foi silenciado pelas políticas economicistas, para sempre (era o Texas, de tantas aventuras entre militares).
O quartel, o antigo BC10 (sempre excelentes e valorosos), atual RI19, estava um deserto.
Dizem, que o hospital e o tribunal perderam também a sua importância.
Passei por requalificações interessantes, visíveis e uteis, entre outras só de aparências, de fachada e desenquadradas da evolução, que, no seu conjunto, não chegam para disfarçar tudo o que foi mal feito e serviu para "empobrecer" e desertificar a região.
Ficámos no hotel Aquae Flaviae, o nome que os romanos deram à cidade, um abrigo muito agradável e recuperado com muita elegância.
Foi o local ideal para o nosso convívio e o ponto de partida para a descoberta da cidade, de lugares, sabores, cheiros, emoções e, para alguns, de memórias.
Depois de uma sexta-feira chuvosa entre viagens e recordações, o dia seguinte, sábado, 10 de Novembro de 2018, com mais abertas e algumas espreitadelas do sol, permitiu-nos, antes de nos dirigirmos ao nosso primeiro objetivo, um agradável passeio pelo centro histórico com as cores de outono sempre presentes. Estivemos no coração da cidade, junto da Igreja de Santa Maria Maior e na praça principal, onde os edifícios e os estilos se misturam e convivem. Estranhei a ausência de árvores, talvez outro sinal destes tempos e das mentalidades. Ainda me lembro de uma enorme, tão nobre como os edifícios ao seu redor.
Seguiu-se, a Torre de Menagem do Castelo, hoje museu militar. Dali, antigo local de namoros “tórridos”, conseguem-se obter as melhores vistas sobre a cidade e sobre o rio Tâmega. Conta a história: - foi uma torre obsoleta para os fins para que foi construída. Nos dias de hoje, devido ao turismo e ao museu, ganhou a importância que nunca teve.
Na Rua Direita, porta 55, morei alguns meses no ano de 1971. É uma das ruas mais pitorescas da cidade, pelo comércio, pela população, que tinha, e pelas famosas varandas que ainda fazem as delícias de quem lá passa. É bom ver que as casas mais antigas estão a ser reconstruídas mantendo-se, sem grandes alterações de estética, o traçado inicial.
Antes das 10h30m uma coroa de flores já estava à nossa espera, à porta do RI19.
O momento, que muitos ansiavam, começava:
- Entrada no Regimento de Infantaria 19
- Apresentação de Cumprimentos
- Cerimónia de homenagem aos mortos em combate
- Missa, celebrada pelo Sr. Capelão do Regimento de Infantaria 19.
Mas, num estalar de dedos, como por magia, passou-se de um sonho programado para um pesadelo e para uma grande desilusão, bastou um minuto.
Segundo as palavras do Sr. Comandante:
- Não tinha dado autorização para a cerimónia de boas vindas, nem para a apresentação de cumprimentos no Regimento de Infantaria 19;
- Desconhecia a realização de uma missa às 11 horas. O Sr. Capelão foi contatado pelo guia, mas sem sucesso.
Apesar de todas estas contrariedades realizámos uma singela e informal homenagem a todos os camaradas mortos em combate. Deixámos no monumento a coroa de flores. O Sr. Aspirante, Oficial à porta de armas do RI19, fez o favor de estar presente.
No final, já de partida, fui chamado ao gabinete do Sr. Comandante, onde, pela postura austera, foi fácil perceber que só estava interessado em questionar-me. Enquanto lá estive nunca manifestou boa vontade e interesse para ajudar a ultrapassar algum equívoco de organização. Teimou em querer falar com os incompetentes que organizaram “isto tudo”. Não foi fácil assistir ao telefonema e à atitude rude que usou durante a conversa telefónica com a senhora da GeoStar, que acabou a acusar: - A sra. e a sua empresa são uns incompetentes.
Apesar dos meus 70 anos, ainda me lembro do que é ser oficial no exército, conheço e compreendo o meio, mas sinceramente: - Não autorizar uma singela cerimónia de ex-militares do BC10, só porque sim, não se compreende e nada justificava tanto ruido e a exagerada afirmação de autoridade. Foi a nódoa que marcou o nosso convívio.
Sr. Comandante, se um dia ler este texto, quero que saiba que lhe desejo felicidades mas, também quero que saiba que naquele dia eu teria feito melhor, teria sido mais tolerante e, sem esforço, faria tudo para realizar o sonho daqueles militares.
De seguida, quase por atração, chegámos ao rio Tâmega, onde os sítios para corar roupa lavada e a veiga fértil de outrora são à data de hoje uma cuidada área de lazer. Depois, bem no centro da cidade, lá estava a fantástica obra Romana também conhecida por “Ponte de Trajano” ou “Ponte Romana”, linda e bem cuidada apesar dos seus 2000 anos.
A meio, estão duas colunas de grande valor histórico, com várias referências, umas atribuídas aos imperadores Titus Flavius Vespasianus e Trajano, outras ao esforço económico dos habitantes da região e aos soldados romanos da Sétima Legião.
Bem próximas, lá se veem, também sobre o rio Tâmega, as suas três irmãs muito mais novas, a Ponte Nova, a Ponte de São Roque e a Ponte Pedonal.
À hora marcada, na Quinta do Barros, hoje Hotel Rural Quinta de Samaiões, fomos degustar um excelente almoço, numa impecável organização e num ambiente de 5 estrelas.
Continuámos para Vilar de Perdizes, terra ligada à superstição, à religiosidade e ao paganismo, que mais parecia uma aldeia abandonada pelos seus habitantes… nem curandeiros, bruxos, videntes, médiuns, astrólogos, massagistas, ervanários ou curiosos… só estávamos nós, os turistas. Fiquei a pensar: - Será que chega um padre Fontes, que já não vai para novo, uma feira anual de produtos confecionados à base de plantas e ervas aromáticas ou uma outra iniciativa desfasada no tempo para atrair e agarrar turistas e visitantes? A nossa experiência foi de muita solidão, nem uma loja de artesanato ou a igreja visitável… só São Miguel nos contemplou.
Terminámos o dia em Montalegre já com o frio do Barroso no corpo, mas com a alma quente. Demos um passeio pelo centro histórico, pelo castelo e fizemos uma visita guiada ao Ecomuseu e Espaço Padre Fontes. Um museu diferente, vivo e uma agradável surpresa onde a curiosidade se aguça em cada momento. Foi excelente… a senhora que nos ajudou durante a visita e nos empolgou em vários momentos, foi um exemplo de dedicação e de profissionalismo.
Seguiu-se um jantar infernal com ritos pagãos entre crenças, medos e receios que parecem vivos no imaginário de alguns, apesar de ninguém ter admitido que acreditava em bruxas. No restaurante, com um convívio na penumbra, só com algumas velas como se impunha, e à volta de um tema que não é habitual. Para além da decoração do momento, a ementa era especial, o pão de centeio amassado pelo diabo, a língua de velha fumada, o caldo de urtigas com mijo do diabo, a posta barrosã assada nas brasas do inferno, o vinho excomungado do outro verão, a mixórdia do mau-olhado e o café negro e quente como o inferno.
No final da ceia infernal seguiu-se um ritual em que se fez uma reza: “com esta colher levantarei labaredas deste lume, que se parece co do Inferno. Fugirão daqui as bruxas.” Depois, começou a grande “Queimada das Bruxas”, uma poção mágica à base de aguardente a 45º, açúcar, vinho tinto, pedaços de limão, mel e grãos de café. Foi aquecida num grande pote, envolta em fogo, enquanto se liam os conjuros e esconjuros que, pela sua toada irracional, resultam numa linguagem que atinge diretamente o coração dos presentes: - “Sapos e bruxas, moucos e corujas, demónios, trasgos e dianhos, espíritos, corvos, pegas e meias, feitiços mezinheiros, lume andante dos podres canhotos furados, luzinha dos bichos andantes, luz de mortos penantes, mau-olhado, negra inveja, ar de mortos, trovões e raios, pecadora língua de má mulher casada com home velho. Vade retro Satanás prás pedras cagadeiras!“.
Segundo o padre Fontes, "a poção faz bem à garganta, ao estômago e dá um sono agradável. E para quem acreditar, queima as energias negativas e livra-nos de todos os males.
Domingo chegou rápido, era o dia do regresso. A chuva tinha voltado em força… qual verão de São Martinho. No caminho, fizemos uma breve paragem em Vila Real, onde, apesar do temporal, deu para eu dar uma volta e rever o centro histórico, que me pareceu mais alegre, moderno e colorido. Andei pela Sé de Vila Real, a Casa Diogo Cão, a casa do marinheiro Carvalho Araújo e a Igreja de São Paulo ou Capela Nova, mas não deu para abordar as tradições e as histórias locais, como as lavadeiras do Rio Corgo. Como a manhã continuava muito chuvosa e fria não resisti e entrei numa pastelaria para tomar um café quentinho e comer um doce, prontamente proposto pela empregada: - uma crista de galo.
O almoço foi em Gaia / Porto. Muito fraquinho e sem brilho. O antigo armazém dos vinhos do Porto não ajudou, era desconfortável e frio. Valeu aquele beijo “com certificação vintage” ao aniversariante… se não fosse aquela corrente de ar, que havia na sala, o Gomes asfixiava.
Cada vez mais acompanhados pela chuva, seguimos para Serralves, para uma viagem no tempo, a um exemplar único da arquitetura Arte Déco dos anos 30, onde o espaço privado para habitar passou a espaço de cultura e público. Por um dos vários trajetos possíveis apreciámos matas, jardins formais, uma significativa diversidade de árvores, as plantas nativas, ornamentais e exóticas, e esculturas ao ar livre.
Terminámos a nossa visita no museu com uma passagem pela polémica, exposição fotográfica de Robert Mapplethorpe. Já vi museus com muitos mais nus, por isso não percebi tanta paixão pela polémica. No entanto, a mensagem pareceu-me algo sadomasoquista e extremada na celebração do nu, do corpo negro, em particular.
Já de noite, seguimos para o Porto e Lisboa com a convicção de que para o ano há mais.
Carlos Alberto Santos